11 de Março de 1989.
Como habitualmente, levantei-me às 6.10 h e arranjei-me num ápice. Afinal tinha que preparar o bloco informativo das 7.00 h. Sentia-me cansada. Culpei os noventa quilos que não me deixavam movimentar como queria.
6.50 h e chego à rádio. Bonito serviço, tenho 10 minutos para preparar as notícias. Tomo um café enquanto vou cortando as folhas carregadas de notícias da LUSA e riscando o que não interessa. Não há tempo para grandes elaborações.
7.00 h entra o indicativo, coloco os auscultadores e ligo o microfone. O técnico dá o sinal e começo a ler o noticiário. Oito minutos depois, bem mais calma, desço ao café do Sr. Manuel para tomar o pequeno-almoço. A manhã vai decorrendo como é habitual numa rádio.
10.30 h, saio da casa de banho assustada. Estou a perder um pouco de sangue. Será normal? Ligo ao médico que me manda ir de imediato para o hospital para ser vista por ele. Apanho o autocarro para o hospital S. João. Pouco tempo depois recebo o veredicto: entrei em trabalho de parto mas pode demorar um dia ou dois. Como? Mas ainda só estou de 38 semanas. Não deveriam ser mais semanas? - pergunto eu nos meus ingénuos 23 anos. Um sorriso complacente responde à minha pergunta. O importante é que vou para casa e só voltarei ao hospital se rebentar a “bolsa de águas” ou se começar a ter contracções.
Ora muito bem, o que faz uma mulher em trabalho de parto demorado? Depois de avisar a entidade patronal de que não vai trabalhar (como funcionária responsável que é), vai ao cabeleireiro fazer uma permanente para estar apresentável, pois claro. Os funcionários do cabeleireiro estavam bem mais nervosos que eu, garanto-vos.
Entre o cabeleireiro e umas compras de última hora o dia passa depressa. Já são 19.00 h e nada. Decido fazer o jantar para mim e para o futuro pai que, ingenuamente, pensa que ainda tem mais duas ou três semanas de noites bem dormidas. Eu, claro, prefiro mantê-lo na ignorância...
22.00 h, faço uma revisão à mala não vá faltar alguma coisa. Ainda é cedo para ir para a cama. Que tal fazer umas limpezas para estar tudo pronto?
- Não vens para a cama? Já são quase duas horas da manhã. – diz o futuro pai
- Vai tu. Vou daqui a bocadinho – respondo eu.
12 de Março de 1989, são 2.35 h, estou eu aqui a fazer limpezas e acabo de sujar o chão. Percebo agora o que querem dizer com “bolsa de águas”. Torna a limpar menina. Quem suja limpa já dizia a tua avó.
Tomo um banho e chamo o pré-papá.
Raios, mais valia não o ter acordado. Mais parece uma barata tonta. Impávida e serena vejo um adulto a tentar vestir umas calças ao contrário. Mas, finalmente, lá consegue acabar de se vestir. O que vale é que o hospital fica a menos de 1 Km mas desconhecia que aquela carripana velha andasse tão rápida.
3.10 h, tudo preparado para me induzirem o parto.
Acreditem, estava bastante serena. Ía lá imaginar que depois de me colocarem uma agulha no braço iria ter tantas dores. Ainda por cima foram todas dormir e eu que me aguente. E como se ainda não chegasse não deixam entrar o marido. Porque razão? Ele também contribuiu.
Seria uma longa noite, dolorosa e solitária.
Ok, já chega, são 8.30 h. e eu já não tenho forças. Mas será que alguém me vem ver ou ainda está tudo a dormir?
Alto, parece que vem alguém. Mais um exame? Eu quero é que parem com as dores.
- Chamem a médica. O bebé está em sofrimento fetal. Rápido – diz uma enfermeira.
- Sofrimento fetal? Mas o que se passa? – pergunto eu aflita.
- Calma mamã. Inspire e expire – responde a enfermeira.
Como é que querem que eu inspire e expire com as dores que tenho e sabendo que alguma coisa está mal. Pelo menos, de um momento para o outro, os desaparecidos aparecem. Era um rodopio de médicos e enfermeiros. Algo grave se está a passar – penso eu.
Apenas ouço dizer que não há tempo para cesariana, o bebé não desceu, só tem três dedos de dilatação, blá, blá...
Até que um iluminado se lembra de dizer que o melhor é fazer uma episotomia (bolas, só o nome assusta). Pensam que tive alguma palavra a dizer? Desenganem-se.
Foi cortar, pegar na ventosa e tirar a criança de qualquer jeito.
Pensam que vi o bebé? Desenganem-se, uma vez mais. Não respirava e desapareceram com ele. Bem perguntei como estava o bebé mas apenas me disseram para ter calma, para não me preocupar que estava a ser bem tratado. Que agora tinham que tratar de mim. Pelos vistos, não saí muito bem da empreitada.
Calma? – gritei eu. Ou vocês me dizem como o bebé está ou não me tocam mais.
Bom, a verdade é que não me tocaram mais, pelo menos enquanto não me deram uma anestesia geral para tratarem de mim. E foi à traição, eu nem me apercebi do anestesista.
10.30 h., acordo meia “grogue”. Lembro-me que as minhas primeiras palavras foram: a mim ninguém me toca. A enfermeira ri-se.
Mamã – diz ela -, vamos lá para a enfermaria.
Mas o bebé, onde está? Como está? Está bem? – questionava eu em catadupa.
O bebé está bem. Não se preocupe. Daqui a pouco vai tê-lo nos braços. Agora pense um pouco em si. Tem que recuperar pois levou 48 pontos externos e internos vai-se lá saber quantos – respondeu a enfermeira.
Quero lá saber dos pontos, quero é ver o meu bebé – pensei eu -.
Foi uma espera interminável. O que vale é que já tinha a minha cara-metade junto a mim . Mas, também ele, ainda não tinha visto o bebé.
Até que vejo uma enfermeira com algo minúsculo nos braços.
- Mamã – exclamou ela – aqui tem o fruto do vosso amor -.
Finalmente... tinha a minha filha nos braços. Foi o momento mais belo da minha vida quando a aconcheguei no meu peito.
Pensei: "Sou mãe! Esta é a minha filha”. Perguntei à minha cara-metade: Como é possível dois feiosos como nós termos feito uma bebé tão linda? Ele nem respondeu. Limitou-se a olhar para ela com uma lágrima no canto do olho (apesar de sempre o ter negado, para ele homem não chora).
18 anos passaram.
À minha fofura apenas direi o seguinte:
O meu único desejo é que sejas feliz.
Nunca fui uma mãe super protectora. Tentei sempre dar-te espaço para crescer, aprendendo.
Nunca pretendi, nem pretendo, que sejas a minha imagem. Pelo contrário, és bem melhor do que eu.
O meu papel foi transmitir-te valores em que acredito e confiança em ti própria para seres capaz de dizer que não quando um comportamento te parecer errado ou perigoso e de dizer sim às propostas honestas, à alegria de viver. Mas, as verdadeiras escolhas têm que ser tuas.
Aceito-te tal como és e não como eu gostaria que fosses. Mas, devo confessar, que ficarei triste se um dia tomares alguma atitude que manifeste intolerância, maldade ou fundamentalismo individual ou colectivo, porque tal significará que não fui a mãe que penso, e desejo, ter sido.
Da mãe que te adora e que apenas deseja que sejas feliz.
13 comentários:
Sem palavras...
Que grande melodrama?
Para tanto remorso e insegurança, mais valia não ter nascido!
Assi. Teresinha
Teresinha:
Antes de mais, bem vinda ao blog.
Relativamente ao seu comentário: Remorso? Melodrama?
Definitivamente ou não me fiz entender ou a Teresinha não entendeu, ou não quis entender, a mensagem.
Bom, há outra opção: a Teresinha tem um sentido de humor que, confesso, não me agrada por ser cínico.
Pode escolher a opção que mais lhe agradar.
Um bom dia para si
Por muito grande que seja a dor de ter um filho, por muito grande que seja o sofrimento e sacríficio necessários vale sempre a pena e é completamente compensado pelo amor que temos ao nosso filho.
A Bem da Nação!
Parabéns minha querida amiga.
Há 18 anos que és mamã.
As dores valem sempre a pena quando se trata de ser mãe. O esforço compensa.
Bj gde.
Queridos Amigos,
Não me importaria de passar novamente pelo que passei.
Valeu a pena.
E tanto é assim que anos mais tarde tive a minha segunda filha.
Cara amiga, na minha opinião o termo melodrama aplicasse:
A tudo o que foi exposto antes e durante o parto.
O termo remorsos aplicasse:
Após ler o exposto
Aceito-te tal como és e não como eu gostaria que fosses. Mas, devo confessar, que ficarei triste se um dia tomares alguma atitude que manifeste intolerância, maldade ou fundamentalismo individual ou colectivo, porque tal significará que não fui a mãe que penso, e desejo, ter sido.
Honestamente estranho o facto de ter sabido interpretar o restante, mas enfim as interpretações por vezes dão para o torto?
Nem toda há gente é como evidentemente!
Quanto ao meu sentido de humor:
O termo correcto é mordas!
Obrigado por me ter recebido, um bom dia para si.
Assi. Teresinha
Teresinha, decididamente temos problemas de comunicação.
Melodrama por ter contado a minha experiência? Mas eu disse que foi algum drama? Foi uma experiência comum a muitas outras mulheres. Drama seria se as coisas tivessem dado para o torto. Felizmente não deram.
Remorsos de quê? Aqui, mais uma vez, não entendo. Quando digo que espero que a minha filha não seja xenófoba, intolerante estou a ter remorsos? Mas de quê?
Não me faço entender nem entendo o que a leva a proferir esses comentários e não tenho qualquer complexo de inferioridade por assumir isto.
Quando assim é, opto pela seguinte postura: a Teresinha fica com a sua opinião e eu fico com a minha.
Um bom dia também para si.
Penso o mesmo!
Obviamente deve ser um problema de comunicação?
Optarei pela mesma postura.
Amigas, amigas, opiniões a parte.
Um bom dia para si.
Assi. Teresinha
Ni,que belo texto és uma pessoa muito bonita .
Parabéns
Beijinhos
Carlota Joaquina
Ni, muitos parabéns!! Um beijinho de admiração para ti. PS - Não percebi se a tua filhota fazia anos agora ou a 12 de Março?
Obrigado Jasmim. Ela fez agora. A 12 de Março faço eu.
Beijinhos
Ni,uma história emocionalmente muito forte,advinhando-se que esta experiência tenha marcado a tua vida e te tenha fortalecido.
Sei que só quem passou pela experiência da maternidade é que consegue perceber o teu actual sentimento e esse laço emocional que te accompanha desde que foram unidas pelo cordão umbilical.
(Quem nunca passou por isso ainda é capaz de pensar que estás a fazer um melodrama ou que estás a ter remorsos)
Muitos parabéns mâezinha babada!
Bjs
(Ps: Remorsos...hehehe...cada vez gosto mais do teu blog...hehehe...aparece aqui cada cromo!)
(...uíi que até me doi a barriga...)
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