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No " longínquo" ano de 2008, (acreditem, para mim, parece que passaram anos e anos...), fiz um post a propósito de um texto do Miguel Esteves Cardoso, versus um pensamento de Óscar Wilde.
Hoje, "repesco" o tema. Porque podemos tentar "fugir" da vida mas ela teima em vir até nós.
Bom, relembremos o pensamento de Óscar Wilde:
"Devia-se estar sempre apaixonado.
É a razão
pela qual nunca nos devíamos casar."
Eis uma afirmação que nos obriga a
reflectir. É óbvio que para quem nunca casou, ou se casou há pouco tempo, ou,
ainda, para quem tem um casamento durante o qual ainda não tenha ocorrido uma
“crise”, obviamente responderá que não está de acordo.
Mas a resposta
será assim tão linear?
Será que é possível duas pessoas estarem casados
10, 20, 30 anos e mais e manter acesa a paixão? E o amor? E a
amizade?
Admitindo que com o tempo a paixão se vai desvanecendo, será que
fica o amor? Mas o que é isso do "amor"? Uma forma mais complexa que a amizade? Mas se nem os grandes poetas chegam a acordo quanto a uma definição de amor, não serei eu a descobrir a resposta a uma pergunta milenar.
Mais a mais, acredito que uma relação a dois como é o casamento é envolvida durante o seu percurso por vários sentimentos que podem não ser cumulativos num mesmo período.
Numa
fase podemos olhar para a(o) outra(o) e dizer: "caramba, gosto mesmo dela(e)". Noutra? Qualquer coisa parecido como isto: "como é que me fui casar com uma pessoa como ela(e). Não podia estar boa(m) da cabeça".
Quiçá, o ser humano é um ser complicado ou, simplesmente, a vida mata o amor.
Deixo-vos, como ponto de
reflexão, o texto de Miguel Esteves Cardoso:
“ Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me
que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível.
Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma
questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao
lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é
mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das
calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos
pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram
logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes
tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
O amor
transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão,
que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão
prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade,
ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor
cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou
farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de
serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão
comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de
um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta
do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos,
bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se
apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o
desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a
comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma
coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o
alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o
pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho
sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os
novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria,
maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao
pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O
nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos
fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O
nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda
de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A
vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro
não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é
uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se
percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a
nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe,
não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a
ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e
sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar,
o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o
coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito
difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das
mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é
ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para
perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não
guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais
acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida
é uma coisa, o amor é outra. (...)"
A música? Uma das minhas "
top 10".