Até aos cinco anos fui criada praticamente pela minha avó materna.
Tinha 18 meses quando nasceu a minha irmã do meio. Mal nasceu, a minha mãe achou por bem que durante a semana eu fosse viver com a minha avó.
Por incrível que pareça recordo-me perfeitamente dos momentos que passei com ela quando já tinha quatro e cinco anos.
A minha avó ficou viúva muito cedo e teve que criar oito filhos. Trabalhava num café que ficava em frente à casa dela.
Recordo-me de acordar, de me lavar, vestir e ir para o muro da casa dela, sempre acompanhada do meu cesto de vime pequenino que ela me tinha oferecido numa das vezes que fomos ao mercado do Bolhão. Do muro começava a chamar por ela. Ela vinha à porta do café e mandava-me atravessar a rua.
E, lá ia eu, toda "lampeira". Abraçava-me como nunca ninguém me abraçou. Dava-me um beijo e metia-me um pão e uma banana dentro do cesto. Ia ao bolso do avental e dava-me um tostão e ficava a olhar enquanto eu fazia os curtos 100 metros que separavam o café da minha "mestra", a D. Ermelinda. Na rua, bem perto da entrada da casa da mestra, estava a D. Rosa que vendia tremoços, azeitonas e chupetas de açúcar queimado. Comprava a minha chupeta e lá ia eu, mais um dia, a aprender a tabuada, e o abecedário com muito cuidado para que o Tico, (uma colher de pau bem pesada), não entrasse em ação.
Aos seis anos os meus pais mudaram de casa e lá me levaram para eu ir para a primária.
Morreu de cancro quando eu tinha oito anos. Morreu comigo deitada ao lado dela a acariciar aquelas rugas vincadas da dureza da vida que nunca deixou que lhe chegasse ao coração.
Foi, provavelmente, a pessoa que mais me amou de forma incondicional.
Quando me sinto mais só recuo até àquele tempo em que eu acordava de manhã...
A música de hoje ouvi pela primeira vez quando tinha sete anos no velho gira-discos do meu pai. Mas é um tema de 1972.